terça-feira, 17 de setembro de 2019

Para além da paisagem

A partir da Zona Norte do Rio de Janeiro, em seu trajeto de ida ao trabalho, é que o fotógrafo Luiz Baltar compõem imagens de um Rio suburbano e periférico que transcendem o estigma da violência e pobreza associados a esses espaços urbanos e apresenta um olhar à paisagem cotidiana orientado pelas suas relações, marcadas, sobretudo, por movimentos e transformações. A série fotográfica documental Fluxos exposta no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica mostra a cidade do Rio de Janeiro através de uma série de fotos panorâmicas em preto e branco, tiradas dentro de ônibus, compiladas e sobrepostas em um único quadro, que dá imagem ao cenário do movimento diário de milhares de cariocas que transitam pendularmente entre periferia e centro.
As fotografias acabam por possibilitar a reflexão sobre o que é a paisagem urbana da cidade do Rio de Janeiro - tida como ícone e marco internacional da cultura e identidade brasileira - para além dos bairros turísticos-balneários habitados pelas elites cariocas na Zona Sul e do polo comercial-histórico do Centro do Rio, porém destaca e dá forma a bairros e vias marginais, porém familiares a milhares de cariocas. Ao representar aquilo que é usualmente esquecido, Baltar também supera uma estética e imaginário do exótico ou do violento tradicionalmente aplicadas a periferia carioca e que estereotipizam e resumem a apenas isso. Os espaços representados não são resumidos a essências, mas compreendidos com fluídos e transitórios, capazes de ser simples e complexos, plurais.
A fotografia de Baltar constrói espaços, que segundo os conceitos do geógrafo Milton Santos são situações únicas, fluxos inesgotáveis de transformações, um emaranhado de relações que estão ao tempo todo se refazendo, se diferenciando ao conceito de paisagem, que condiz a um conjunto de elementos materiais e fixos, a paisagem é apenas forma enquanto o espaço é o constante reajustamento entre forma e conteúdo. Baltar pretere expor espaços familiares a ele e milhares de cariocas, ao invés de paisagens desconectadas da população.
A compilação de imagens reforça a sensação de movimento impulsionada pela obra, quebrando uma percepção de fotografia como a captura de paisagens fixas e estáticas. Torna-se documento das relações que tomam o espaço periférico como palco, as tensões, os conflitos, as harmonias e transformações são expostas pelas cores preto branco que permitem salientar cada detalhe da tela. O ato de Baltar transcende a arte como contemplação estética, mas se coloca sobre uma reflexão do espaço urbano periférico, seu presente, seu futuro e como a cidade está a lidar com ele.
 Ao retratar o fluxo do movimento da cidade, Baltar apresenta as dinâmicas que orientam o funcionamento da vida social da cidade, marcada por uma organização socio-espacial, lógica de especulação imobiliária e segregação racial que apartam parte da população de residir próxima ao seus locais de trabalho. Fluxos retrata como a cidade a funciona, respira, trabalha resiste e se estrutura, se movimenta em tempo e espaço, pois a vida social não é estática, mas puro movimento.
  • Beatriz Chalhub, Gustavo de Queiroz e Rômulo Alberto.
Bibliografia:
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da USP, 2002.

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